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No princípio dos anos 80, a inflação no Brasil era extremamente alta e levava os preços a um descontrole com variações muito rápidas. Era uma época em que havia remarcação contantes nos preços de supermercado e as pessoas corriam nos produtos antes que fossem remarcados nas prateleiras com as até então carrascas máquinas de etiquetagem. Os salários até eram corrigidos com os planos econômicos vigentes, mas não acompanhavam os aumentos dos preços e geravam uma frustração ao se perceber que não conseguiam manter o seu poder de compra, fosse no supermercado, no posto de gasolina ou ainda nas das tarifas de serviços públicos.
Isso não era diferente para as tarifas de transporte público que sofriam reajustes constantes e para o trabalhador ficava cada vez mais evidente a sua incapacidade de usufruir dos serviços que necessitava.
Quando o salário acabava antes do fim do mês, o primeiro “gasto” a ser cortado era a passagem e as empresas registravam um maior número de faltas nos últimos dias do mês, tendo relatos dos próprios funcionários que diziam não ter o dinheiro para se deslocar. Uma situação lastimável que obteve solução por meio de uma legislação federal, que cria o Vale Transporte como uma forma de antecipação, pelo empregador, das quantias gastas com os deslocamentos entre a residência e o trabalho. Também foi uma forma de reduzir a desigualdade na distribuição de renda, uma vez que não poderia ser descontado do trabalhador um valor acima do percentual fixado.
Segundo Farias (2021), o Vale-Transporte é um tema que tem muitas faces de abordagem. Trata-se de um benefício social oferecido pelos empregadores aos seus contratados, caracterizando uma forma de subsídio para alguns assalariados, que têm seus gastos com transportes cobertos por seus empregadores. Trata-se também de uma das mais importantes fontes de financiamento do sistema de transporte coletivo urbano, em especial nas cidades que abrigam as maiores parcelas de atividade econômica no Brasil. E trata-se, ainda, do resultado de uma evolução histórica da organização social no país, que passa pela formalização das relações trabalhistas, obtida por meio de mobilização social e sindical e pela evolução do modelo de inserção do Brasil na economia mundial. O Vale-Transporte também é vital para a sustentação de um modelo moderno e solidário de relações trabalhistas e reflete mesmo sobre a vida de quem não o recebe por não ter emprego formal.
Sendo instituído pela Lei Federal nº 7.418/1985, o Vale Transporte é um benefício que prevê ao trabalhador um adiantamento por parte do empregador a ser utilizado nas despesas do deslocamento casa-trabalho-casa, sendo válido para todos os modos de transporte público. Segundo ainda essa normativa, o funcionário será descontado em até 6% da folha do salário base, sendo de obrigação do empregador complementar o valor faltante para o pagamento da tarifa de todos os dias em que foram realizados os deslocamentos por motivo de trabalho (Brasil, 1987). Por suas características, esse benefício mostra-se como um forte aliado a redução de desigualdades socioeconômicas, aumento do acesso a oportunidades de emprego e a promoção da mobilidade sustentável desde a sua implementação nos anos de 1980.
Durantes as Crises do Petróleo na década de 70, o Brasil viu seu sistema de transporte sofrer as consequências do aumento do preço do combustível. Visto esse cenário adverso do aumento do impacto dos gastos em transportes na renda da população, os responsáveis técnicos pelo setor voltaram-se para o mundo para entender medidas implementadas para reduzir os prejuízos à população. Na França, por exemplo, já existia o Versement Transport, uma medida ainda em vigor que arrecada recursos de empresas através do pagamento de impostos de acordo com a quantidade de empregados para o financiamento do transporte coletivo (ANTP, 2012).
Já na virada da década de 70 para 80, o aumento dos deslocamentos por motivo de trabalho e diminuição do poder de compra trouxeram mais urgência ao debate e em 1980, foi divulgada pela primeira vez o conceito do vale transporte tendo como base o estudo “A política tarifária dos transportes coletivos: permanência no sistema tarifário existente ou proposta de um novo sistema” elaborado no Ciclo de Formação em Administração Pública provido pela Fundação do Desenvolvimento Adminstrativo (Fundap) de São Paulo. Essa proposta considerava os empregadores como fonte de recurso para fornecer subsídio direto ao empregado na forma de pagamento da tarifa (ANTP, 2012).
Em 1981, foi apresentado o primeiro Projeto de Lei Federal (nº 5.378/81) para implementação do Vale Transporte, até que em 1985 foi instituída a Lei 7418/85 e revogada pela Lei 7619/87 que tornou o benefício obrigatório. Hoje, o pagamento do vale transporte também está disposto na Consolidação das Leis do Trabalho.
Vale ressaltar que o Vale-Transporte também pode ser analisado como um fenômeno de logística, uma vez que existe uma extensa operação destinada a fazer com que o benefício chegue individualmente a milhões de trabalhadores em todo o país. A indústria do Vale-Transporte evoluiu muito desde sua introdução, passando por diferentes formatos de concessão, indo do “passe de papel” ao cartão eletrônico (Farias, 2021).
Nos vários estados do país foram adotadas soluções para a operacionalização do Vale Transporte, uma vez que a legislação obrigava o operador a criar o seu modelo e sistema de distribuição. De acordo com as diferentes realidades, foram criadas e produzidas várias versões de tíquetes de papel e fichas plásticas. Em alguns locais, o órgão gestor passou a administrar esse sistema enquanto que em outras localidades entidades representativas das diversas operadoras produziam e distribuíam seus Vales Transportes. No Estado do Rio de Janeiro no início de sua implementação, o Vale Transporte era distribuído no formato de papel (Figura 1), o que facilitava a utilização indevida através de uma espécie de comércio paralelo.
Figura1: Vale Transporte em papel
Fonte: Riocard Mais
No ano de 2005, a população trabalhadora da cidade do Rio de Janeiro teve o seu vale-transporte de papel substituído pelo cartão RioCard, após testes iniciados no ano anterior. Era uma evolução, não só no controle de fraudes que cresciam à época, como, por exemplo, a venda ilegal dos tíquetes, mas também da forma de pagamento de passagens no transporte público. Os vales em papel foram aceitos até 31 de maio de 2005 e, após esta data, apenas os cartões RioCard passaram a garantir a utilização do direito trabalhista criado por lei no final da década de 80.
O Vale Transporte hoje ainda é utilizado na forma de cartão eletrônico Riocard Mais e representa um sistema seguro, eficiente, de fácil utilização, pessoal e intransferível por meio do sistema de bilhetagem eletrônica.
Em 2009, com a criação do Bilhete Único Intermunicipal, a RioCard passou a utilizar toda a experiência adquirida para atender ao governo do Estado do Rio de Janeiro na emissão e administração do benefício tarifário que permite a integração entre dois modos de transporte, por 3 horas, com limite de valor pago pelo cidadão que através do seu CPF possui o benefício.
Foi a tecnologia Riocard Mais que possibilitou a existência de políticas tarifárias não apenas como o Bilhete Único Interestadual, mas o Bilhete Único Carioca, o Tarifa Solidária, de Saquarema, e muitos outros. Tais políticas tarifárias se aplicam também aos cartões Vale Transporte concedendo mais benefícios ao trabalhador.
No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, quase 46% dos passageiros utilizam o Riocard Mais Vale Transporte no pagamento da tarifa, o que indica a ampla abrangência do benefício na região. Além disso, atualmente, os cartões Riocard da modalidade Expresso também possuem os mesmos benefícios.
Figura 2: Atual cartão de Vale Transporte e Expresso para o Estado do Rio de Janeiro
No âmbito socioeconômico, a política do Vale Transporte tem um papel importante no equilíbrio das contas da família brasileira. Como já mencionado anteriormente, com o limite de contribuição de 6% da folha salarial, o empregado reduz seus gastos mensais com o transporte, podendo, então aplicá-lo a outras necessidades. Na cidade do Rio, por exemplo, considerando a tarifa do ônibus municipal fixada em R$4,30, uma pessoa que ganha um salário mínimo (R$1320,00) seria descontado R$79,20 em vez de R$189,20, considerando os deslocamentos de ida e volta de 22 dias úteis em um mês. Esse número representa uma economia de 110 reais, reduzindo a perda percentual de 14% para 6% da folha salarial.
Essa economia é ainda maior nos deslocamentos intermunicipais. Tendo como exemplo ainda o salário mínimo (R$1320,00) e o Bilhete Único Intermunicipal (R$8,55) – benefício tarifário que permite a integração entre dois modos de transporte sendo um deles intermunicipal no período de até 3 horas – há uma economia de R$297,00 visto que o gasto total por mês seria de R$376,20 sendo que com o benefício, o empregador complementa com R$297,00. Assim, o VT diminui a impedância relacionada ao custo do transporte para o trabalho e aumenta o acesso a oportunidades.
Para mais, esse benefício incentiva o uso do transporte público diariamente. Com a proibição pela Lei do pagamento desse benefício em dinheiro, é garantido que o valor disponibilizado em créditos seja direcionado para a tarifa de opções públicas coletivas de deslocamento. Dessa forma, existe a garantia de investimento direto no transporte coletivo. Assim, patrocinando modos de transportes mais sustentáveis que os motorizados individuais.
Artigo escrito por Richele Cabral, Eunice Horácio e Rafael Ribeiro.
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