Mobilidade e segurança pública: como o passageiro pode contribuir nessa discussão?

19/05/2023 7 min leitura
A mobilidade urbana é definida como a condição em que se realizam os deslocamentos nas cidades. Assim, os problemas inerentes ao espaço urbano como a segurança pública impactam substancialmente essa condição. Dentre as ocorrências de crimes relacionadas ao transporte destacam-se os roubos, furtos, assédio, importunação sexual e vandalismo. Cada tipo criminal tem suas características e prejudicam a mobilidade urbana de formas distintas. De maneira geral, essas ocorrências podem aumentar os custos operacionais, prejudicar a percepção de qualidade da oferta e ainda modificar o padrão de deslocamento do passageiro, fazendo com que, na maioria dos casos, ele migre para modos menos sustentáveis, como o caso do automóvel. Esse perfil de mudança do padrão de deslocamento impacta negativamente a mobilidade da região trazendo mais congestionamentos e poluição.
Em pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Transporte (CNT) em 2017, foi constatado que os principais problemas do transporte público segundo os participantes eram o preço elevado da passagem (65%) e a insegurança (55%). Outro dado relevante foi o de motivos que provocaram a mudança do padrão de viagem de ônibus para um modo diferente. Para 20% dos participantes, a insegurança e violência foram fatores que pesaram nessa decisão. Além disso, 14% informou que maiores níveis de segurança o fariam retornar para o sistema de ônibus. Sendo assim, é possível confirmar que a segurança pública influencia no padrão de viagem das pessoas e é de extrema importância para a manutenção da qualidade da oferta do serviço.
De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), o índice de furtos registrados por milhão de passageiros nos coletivos do estado do Rio de Janeiro de 2014 a 2022 não sofreu alteração significativa, permanecendo próximo a 4. Em 2020, no início da pandemia, o índice chegou ao menor valor da série histórica (3,2) assim como em 2017, e desde então segue em uma tendência de crescimento. Já o índice de roubos em coletivos que estava aumentando a cada ano, a partir de 2021 caiu em aproximadamente 35% em 2022. Esse número pode ser reflexo de uma melhora dos níveis de segurança. Vale destacar que de 2020 a 2022, o número absoluto de registro de ocorrências dos casos de roubos e furtos caiu em relação aos outros anos, mas avaliar essa quantidade sem associar ao número de passageiros transportados não seria efetivo. Além disso, esse quantitativo pode ser menor que a realidade por conta da subnotificação.
Gráfico 1. Evolução histórica do índice de roubos e furtos a coletivos por milhão de passageiros no estado do Rio de Janeiro
Fonte: Adaptado de ISP-RJ (2022)
Outro crime relacionado ao transporte são os casos de assédio e importunação sexual. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto PATR em 2022 e divulgada pelo G1.com, 97% das mais de mil mulheres entrevistadas pelo Brasil relataram que já haviam sofrido algum tipo de assédio no transporte público e 46% afirmaram que não se sentem seguras em usar ônibus, trens e metrôs. Nos casos de crimes sexuais, por conta do constrangimento da vítima é comum que não haja o registro da ocorrência. Além disso, existe ainda a dificuldade de se obter provas ou até mesmo identificar o infrator que se aproveita das condições ruins de lotação dos veículos e estações. Da mesma maneira que os roubos e furtos, o assédio e importunação sexual influenciam negativamente na percepção da qualidade do serviço e podem ocasionar uma mudança no padrão do deslocamento.
Também são comuns os casos de vandalismo no transporte. Esses atos podem impactar no funcionamento dos equipamentos urbanos e provocam perdas sociais e econômicas. O vandalismo é crime previsto no Art. 163 do Código Penal Brasileiro que tem como pena para o infrator multa ou detenção de até 3 anos caso haja agravante. Além disso, esse mesmo dispositivo legal em seu Art. 262 criminaliza a exposição do transporte público a perigo ou o impedimento do seu funcionamento. A tabela 1 abaixo traz um resumo desses dois artigos que embasam a discussão do vandalismo no contexto dos transportes.
Tabela 1. Descrição do Art. 163 e Art. 162 do Código Penal Brasileiro
Fonte: Adaptado de Planalto.gov.br
Segundo levantamento feito pela Semove, foram registradas mais de 232 ocorrências de vandalismos nos ônibus do estado do Rio em 2022, o maior índice desde o início da série histórica em 2015. Vale destacar que ainda há muita subnotificação e por isso, os números reais devem ser maiores. Dentre os tipos de ocorrências registradas estão: pichações, quebra de vidros, letreiros e retrovisores; dano aos assentos e estofados, pneus etc. O gráfico 2 mostra o número de registros de 2015 a 2022.
Gráfico 2. Evolução histórica dos registros de vandalismos no estado do Rio de janeiro
Fonte: Elaboração própria (2023)
Existem ainda os casos mais graves de depredação do sistema de transporte como os incêndios criminosos. Só no estado do Rio de 2015 a 2023, houve registro de 55 ônibus queimados, uma perda que pode variar de 35 até mais de 50 milhões de reais a depender do modelo do veículo. Só no ano de 2023, foram 5 coletivos, o que demonstra uma volta no crescimento desse índice após a pandemia do COVID-19. O gráfico 3 mostra a quantidade de veículos incendiados de 2015 a 2023 no estado do Rio de Janeiro.
Gráfico 3. Evolução histórica do número de ônibus incendiados no estado do Rio de Janeiro
Fonte: Elaboração própria (2023)
Os principais problemas causados pelos atos de vandalismo ao transporte público coletivo atingem questões sensíveis para a população que utiliza diariamente o sistema: a oferta e o custo. Com a retirada de veículos da operação devido a depredação, a programação horária pode ser prejudicada com diminuição do número de partidas ou atrasos, reduzindo a confiabilidade do serviço. Além disso, a continuidade de utilização de frota depredada influencia negativamente na percepção de qualidade da oferta pelo usuário.
No âmbito econômico, esse contexto gera uma elevação dos custos da operação por conta da necessidade de mais pessoal nas rotinas de manutenção e pela compra de peças, acessórios, veículos etc. Um custo maior pode gerar um aumento do preço da tarifa pública ou do subsídio pago pelo poder público para cobrir esses gastos adicionais. No fim, quem paga pelo prejuízo são os cidadãos.
Para evitar atos criminosos no transporte, é comum o uso de campanhas de conscientização com o objetivo de gerar no usuário um sentimento de pertencimento e de responsabilidade coletiva. No Brasil, diversas ações têm sido vinculadas principalmente nos períodos de grandes eventos quando o número de ocorrências criminosas aumenta. Em Piracicaba (SP), por exemplo, a divulgação campanha “#TODOSDEOLHO” (Figura 1) reforça o papel do passageiro na fiscalização de práticas ilícitas relacionadas ao transporte. Nesse sentido, não basta apenas não cometer atos criminosos, é preciso estar vigilante e denunciar.
Figura 1. Ônibus com a veiculação da campanha #TODOSDEOLHO
Fonte: Mobilidade Sampa, 2022. Foto de Justino Lucente.
Além da conscientização e vigilância de cada passageiro, a atuação do poder público é um ponto focal na mudança de comportamento da sociedade civil e melhoria do sistema de transporte. Um exemplo dessa ideia foram as ações contra atividades criminosas no metrô de Nova Iorque na década de 1980 que sofria com casos recorrentes de acúmulo de lixo, quebra de componentes dos veículos, evasão ao pagamento da passagem, roubos etc. Com um esquema forte de fiscalização e manutenção do sistema pelo gestor público, as ocorrências diminuíram e qualidade do transporte foi reestabelecida em pouco tempo. Essas ações foram baseadas na Teoria da Janela Quebrada que é um modelo de política de segurança pública que tem como objetivo a repressão de pequenos delitos com o intuito de evitar a sua repetição ou a evolução para infrações maiores.
Pensando nessa integração entre passageiro e órgão de segurança, a Semove e Instituto Mov Rio, por meio do seu programa Disque Denúncia se uniram para promover ações de incentivo ao recebimento, monitoramento e acompanhamento de denúncias e reclamações sobre crimes cometidos no transporte, sejam eles de vandalismo, assédio e importunação sexual, roubos, furtos etc. Com o anonimato garantido, as notificações serão importantes para levar conhecimento aos órgãos responsáveis que muitas vezes não são comunicados e assim, garantir que as ações de prevenção e mitigação sejam efetivas. A ideia é que o passageiro seja um participante ativo na vigilância do sistema de transporte e auxilie na criação de um ambiente mais seguro e confortável a todos.
Por meio dessas denúncias será possível a elaboração de propostas de melhoria da qualidade do serviço, uma vez que a falta de segurança pública e de resposta aos crimes existentes é um dos atributos que mais afugentam o passageiro das linhas de ônibus. A expectativa é que quanto maior o número de denúncias, maior a contribuição para coibir a violência e assim, reduzir por os prejuízos à operação do sistema, como por exemplo, o atraso de uma linha que necessitou a troca do veículo ou ainda a mudança no quadro horário devido à redução da frota da linha, pois veículos estão em manutenção.
Dado o prejuízo dos atos criminosos na mobilidade do estado do Rio de Janeiro, a parceria com o Disque Denúncia pretende fortalecer a utilização de um canal específico, com credibilidade e experiência em denúncia anônima para captar todos os tipos de crimes contra o sistema de transporte público por ônibus, reforçando também um convênio com os órgãos de segurança para utilização da plataforma SAFE (Sistema de Acompanhamento de Frota em Emergência) por meio do fornecimento dessa ferramenta inteligente de apoio ao combate da criminalidade.
Esta é uma das ações da Semove para difundir sua missão que é ser referência como organização atuante no fortalecimento do sistema de transporte público coletivo de passageiros.
Artigo escrito por Rafael Falcão, engenheiro de transporte